Deus e a ideia de Deus

Adenáuer Novaes • 7 de junho de 2021

Deus e a ideia de Deus

Qual a ideia que você faz sobre Deus?
Um deus único, muitos deuses, um deus humano, um deus de pura energia, um deus pai, um deus que tudo permeia, um deus panteísta, um deus casual, um deus “acausal”, um deus mãe, um deus que se confunde com os fenômenos da Natureza, um deus material, um deus animal, um deus totalmente abstrato ou mesmo sua negação... Eis aqui, algumas possibilidades. Mas, vamos ao texto?

É necessário ao Espírito, em algum momento de sua evolução, principalmente quando conseguir deixar de conceber um Deus protetor contra um mal que é concebido como sendo oriundo de fora de si mesmo e de cuja participação na origem se deve aos seus erros, refletir sobre a influência que esta ideia tem sobre seu destino. Como sua imaginação é livre, sobretudo ante o desconhecido que contribui para que crie fantasias e símbolos representativos, torna-se importante fazer distinção entre o que credita seja Deus e o próprio Deus. Portanto, é preciso um estudo compreensivo a respeito da diferença entre a ideia que a mente humana forja sobre Deus e o que de fato seja o Criador de tudo, sobretudo dele mesmo, considerando a importância de sua concepção a respeito da Divindade e sua influência umbilical no destino da pessoa.

Mesmo sob a luz da imortalidade e considerando a realidade espiritual, existem muitos paradoxos a serem resolvidos. O nível de evolução em que o Espírito se encontra não lhe confere suficiente inteligência ou sabedoria para criar um sistema que explique tudo sem se utilizar de frases curtas e simplistas. Uma das barreiras que dificultam o encontro de explicações plausíveis para certos paradoxos é a linguagem, cujos limites se confundem com a própria inteligência humana. A vida não é simples nem as exigências ao Espírito são pequenas para que alcance condições que lhe permitam vivenciar os grandes desafios que lhe são impostos, sobretudo o de entender a totalidade. A cada descoberta científica que promove o avanço do saber humano, novas e cada vez mais complexas interrogações surgem, desafiando a inteligência humana.

Um destes paradoxos é o que imediatamente surge com a percepção da diferença entre a ideia do que é Deus e a real existência de um Criador. De um lado está a ideia, cuja concepção obedece aos parâmetros e limites da inteligência humana e da capacidade de sua imaginação; do outro lado está a lógica insofismável da necessidade da existência de uma causa primeira, obedecendo ao seu raciocínio que assim o exige. É da própria mente do ser humano que ambas as ideias emanam, portanto podem ser construídas fora das condições reais sobre o que criou tudo que existe. Trata-se então de teorias sem qualquer possibilidade de comprovação, pois não se baseiam na experiência direta e comum a todos. Independentemente dos conceitos humanos, há uma lógica que exige uma justificativa para a existência das coisas que, quando justificada como sendo gerada pelo acaso, apenas posterga a compreensão de seu significado. Não se pode explicar algo por outro também desconhecido. As ideias que o ser humano fez e faz sobre aquela causa, baseando-se nas concepções religiosas, são tentativas lógicas ou não para resolver certo incômodo psicológico causado pela falta de justificativa para resolver o dilema da necessidade e um referencial primário para a vida e suas consequências.

Um deus único, muitos deuses, um deus humano, um deus de pura energia, um deus pai, um deus que tudo permeia, um deus panteísta, um deus casual, um deus “acausal”, um deus mãe, um deus que se confunde com os fenômenos da Natureza, um deus material, um deus animal, um deus totalmente abstrato ou mesmo sua negação são representações concebidas para atender o impositivo psicológico que exige uma resposta para que haja o equilíbrio psíquico entre o Inconsciente e a Consciência. Até mesmo a negação a respeito da existência de Deus se trata de uma conclusão que põe a consciência em suspensão, por falta de respostas lógicas consideradas plausíveis. São conceitos, ideias e percepções oriundas ou não da fé, que visam atender ao Deus que, segundo a Bíblia, provocava Jó e seguia conselhos de Satanás, e que foi concebido pela mentalidade coletiva para justificar a existência do mal fora do ser humano, bem como para emprestar inconscientemente qualidades humanas à divindade em “quem” se acreditava. Consta da mentalidade coletiva, ao menos no Ocidente, a imago de um Deus com características muito semelhantes ao constante no livro bíblico de Jó.

Em todas as épocas da história da Humanidade, o ser humano projetou, fora de sua consciência, uma imagem que chamou de deus para atender à exigência de resolver o incômodo interno, que o impulsiona à busca pelo significado do que o criou. Essa imagem foi forjada por elementos das muitas culturas em que reencarnou, valendo-se também de conteúdos inconscientes construídos nas experiências arquetípicas ligadas ao sagrado. Sempre que o eu da Consciência se depara com o desconhecido ou com o que é inexplicável, gera automaticamente um símbolo ou imagem que preliminarmente atende ao restabelecimento do necessário equilíbrio psíquico.
A lógica impositiva da existência de um Criador para tudo opõe-se a outra tão consistente quanto, que afirma que não é possível a existência de algo sem uma causa. Este paradoxo tem sido sumariamente evitado com a afirmação de que o Criador é uma exceção. No que se concebe como humano, este é um paradoxo insolúvel que provoca incessante busca por novas representações coletivas. Negar a existência de um Criador assemelha-se a afirmar sua excepcionalidade quanto à origem, pois se tratam de ideias que adiam uma compreensão mais profunda e psicologicamente satisfatória. O paradoxo assinalado sugere que ambas as ideias, por serem excludentes, não dão conta da oferta de um sistema que resolva o problema da origem de tudo.

Necessário se faz uma maior reflexão pessoal sobre a ideia que se tem a respeito de Deus, pois certamente ela é sutilmente influenciadora e determinante para a construção do destino humano, como também para seu equilíbrio psíquico. Esta ideia pode, em certas experiências, trazer tanto a felicidade quanto o sofrimento. A manutenção rígida de uma mesma ideia a respeito de Deus durante toda a vida provoca restrições nas escolhas da vida, prejudicando a ampliação da Consciência humana. A concepção que se tem de Deus, portanto, a ideia que d’Ele se faz, deve ser mutável, acompanhando o desenvolvimento psicológico e emocional da pessoa. A mudança de concepção decorre de uma profunda reflexão sobre si mesmo, sobre a imortalidade pessoal e sobre a imprevisibilidade característica das ocorrências da Vida.

Para saber mais sobre este e demais assuntos tratados por Adenáuer Novaes, veja as obras publicadas pelo autor. Este conteúdo foi extraído do livro: O Voo do Espírito.
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